terça-feira, 29 de março de 2011


Ó infelizes mortais, ó terra deplorável
Ó ajuntamento assustador de seres humanos! Eterna diversão de inúteis dores! Filósofos alienados que proclamam:“tudo vai bem”. Venham contemplar essas ruínas horrendas
esses destroços, esses farrapos, essas cinzas malditas, essas mulheres e essas crianças amontoadas sob mármores partidos, seus membros espalhados;
Cem mil desafortunados que a terra devora, que sangrando, dilacerados, e ainda palpitando enterrados sob seus tetos, sucumbem sem socorro, no horror de tormentas findando seus dias!
Diante dos gritos de suas vozes moribundas, do horror de suas cinzas ainda crepitantes, vocês dirão: ” é a conseqüência de leis eternas que um Deus livre e bom resolveu aplicar?!”
Vocês dirão, vendo esse amontoado de vítimas: “Deus vingou-se,e a morte deles é o preço de seus crimes?!”
Que crime, que falta cometeram essas crianças esmagadas e sangrentas sobre o seio materno? Lisboa, que não mais existe, teria mais vícios que Londres, que Paris, submersas em delícias?
Lisboa está destruída e dança-se em Paris.
espectadores tranqüilos, intrépidos espíritos, contemplando a desgraça desses moribundos, vocês procuram – em paz – as causas do desastre:
mas quando sentem os golpes dos fados inimigos, tornam-se mais humanos e choram como nós. creiam-me: quando a terra abre seus abismos, meu lamento é inocência e meu grito é verdade sempre cercados pelas crueldades do acaso,
pelo furor dos malvados, pelas armadilhas da morte experimentado o abalo de todos elementos, companheiros de nossos males, permitam lastimá-los.
É o orgulho, dizem vocês, o orgulho sedicioso, que almeja que indo mal, nós possamos ser melhores. Vão interrogar as margens do Tejo;
Escavem nos destroços dessa ruína sangrenta;
Perguntem aos moribundos nesse átimo de espanto se é o orgulho que grita “Ó céu, socorre-me! Ó céu, tenha piedade da miséria humana!”
“Tudo vai bem – dizem vocês – e tudo é necessário” Por acaso o universo, sem esse abismo, infernal, sem submergir Lisboa, estava sendo pior?

Este poema foi escrito por Voltaire, por ocasião do terremoto que destruiu Lisboa em 1756

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